[FP] Alice Dean / Winter Flower

Sai correndo e entrei no pequeno armário da lavanderia que servia de esconderijo. Fiquei olhando pela pequena fresta que havia deixado. Ela olhou para o armário e eu tive quase certeza de que estava olhando para mim, mas para o meu alívio ela se virou e saiu do cômodo.

Respirei fundo, minha mãe havia bebido de novo, e quando ficava bêbada me agredia, tudo isso era culpa daquele desgraçado do Joseph, desde que ele começou a namorar com minha mãe e a morar em casa, ela bebia praticamente todo dia. Odiava-o, aquele imprestável só sabia se sentar no sofá e colocar os pés sobre a mesa de centro, assistir futebol e se empanturrar de comida e álcool. O pior de tudo é que ele se achava o dono da casa, tratava eu e minha mãe como empregadas particulares dele, e não podíamos fazer nada, o fato de ser maior e mais forte que nós era uma vantagem para ele.

Um dia enquanto passava no corredor, ouvi os dois dizerem que iriam mudar de cidade, e que não me levaria porque daria muito trabalho para eles, e o apartamento que haviam alugado tinha apenas um quarto, embora achasse que haviam feito isso de propósito.

Duas semanas depois eu estava na frente da casa de meu pai acenando enquanto o Impala de Joseph se afastava de onde estava – mal sabia eu que aquela seria a última vez que veria a minha mãe.

Assim que ele virou em uma curva e saiu do meu campo de vista suspirei, meu pai estava me chamando para entrar na casa que agora iria ser meu novo lar. Ele me guiou para um quarto todo cor de rosa – cor que eu amava – e disse que esse seria meu quarto. Agradeci, embora mal visse o meu pai, e não tivesse muita afinidade com ele, ele me transmitia segurança. Agradeci mais uma vez pelo quarto e descemos para a sala.


- Por favor, por favorzinho! – Fiz um biquinho.

- Não Alice, você ainda é muito nova.

Fecho a cara e me levanto de uma cadeira de madeira que havia nos fundos da casa. Meu pai para de mexer na churrasqueira e se vira para falar que eu era muito nova pra assistir filme de terror no cinema, e que quando lançar em VHS ele compraria para mim.

Bufo e volto para o interior da casa, entro no meu quarto e tranco a porta. Pego o retrato que estava na cabeceira da cama e me jogo em minha cama, era uma foto antiga, antes de minha mãe conhecer Joseph, ela estava sorrindo, foi um dos últimos dias que a vi sorrindo, parecia que havia sido há anos que aquilo havia acontecido, onde será que ela estaria? Não sei, não faria diferença agora, estava com saudades dela. Abraço o retrato e lágrimas escorrem pelo meu rosto.


- Alice, rápido, pegue as suas coisas e coloca no carro! – Dizia meu pai nervoso, indo com uma mala enorme em direção a garagem.

Subi as escadas correndo em direção ao meu quarto e peguei a mala que havia trazido quando me mudei para a casa do meu pai, joguei as minhas roupas dentro dela e peguei o retrato de minha mãe, colocando-o entre as roupas. Desci as escadas e fui em direção a garagem, entreguei minha mala e ele colocou no porta-malas.

Entrei no carro e seguimos em direção a faculdade em que ele dava aula, ele me mandou esperar no carro e disse que já voltaria. Minutos depois vi Petter e meu pai vindo na direção do carro, a porta se abriu e Petter se sentou ao meu lado. Petter era um dos alunos do meu pai, um dia ele me levou para a faculdade para acompanhá-lo durante as suas aulas, e conheci-o, achei-o uma gracinha (e lindo), me tratou bem (até demais), podia parecer loucura, mas havia me apaixonado por ele.

Cumprimentei-o e ele me perguntou se eu sabia o que estava acontecendo, respirei fundo e contei tudo que estava acontecendo para ele. Depois que terminei de contar tudo, estava falando sobre um filme de terror que acabara de lançar e se ele queria ir ao cinema comigo.

Algum tempo depois meu pai volta para o carro carregando algumas caixas e pergunta para Petter onde ele morava. Seguimos para o local onde Petter havia falado, fiquei esperando na porta do apartamento enquanto Petter chamava por ‘Rach’. O local estava todo destruído, parecia que havia acontecido uma briga ali, isso significava que haviam capturado a pessoa por quem Petter chamava.

Depois que saímos do apartamento e entramos no carro de novo, seguimos viagem para algum lugar que eu não sabia, todos estavam calados, coloquei a mão sobre o ombro de Petter e olhei para ele como se estivesse falando “Vai ficar tudo bem”, uma coisa que eu duvidava.


Havia um ano desde que meu pai saiu do nosso esconderijo em busca do material necessário e de alimentos, e não voltou. Um mês depois do meu pai sumir, Petter e eu decidimos sair de onde estávamos nos escondendo e ir para outro esconderijo, um que tivesse uma distância considerável daquele que estávamos.

Encontramos um chalé abandonado em frente a um lago, era Fevereiro, eu acabara de fazer 16 anos, mas agora era só mais uma data esquecida. O chalé não era muito grande, mas era o suficiente até que encontrássemos um lugar melhor.

Uma semana depois de eu fazer 16 anos, não estava me sentindo bem. Tinha tontura praticamente o dia inteiro, ânsia de vômito de hora em hora, e pra piorar minha menstruação não tinha vindo. Não, eu podia está grávida, podia? Um filho agora não era uma boa opção, teríamos que tomar mais cuidado ainda, e o choro dele só seria um sinal da nossa localização. Mas por outro lado era bom, precisávamos de uma distração do que estava acontecendo, pensar nas fugas e nos furtos que teríamos que fazer para conseguir alimentos já estava nos deixando loucos.

Petter estava pescando no lago com a vara improvisada que havíamos feito alguns dias atrás, me sentei ao lado dele e fiquei observando-o pescar. Hesitei, não sabia como contar aquilo para ele, mas ele precisava saber.

- Petter, eu preciso te contar uma coisa...

Ele virou a cabeça e ficou me olhando como se dissesse “O que?”

- Eu... – respirei fundo e falei tudo de uma vez – estou grávida.

-x-

Quatro meses depois estávamos fugindo de buscadores que haviam descobertos nossa localização, fico imaginando se alguém havia mandado nos procurarem ou se foi apenas por acaso que haviam nos descoberto, não sei e isso não faria nenhuma diferença agora. Eram apenas três, mas temia se eles haviam contatados com outros e eles tivessem nos aguardando do outro lado da floresta.

Estava logo atrás de Petter que abria caminho entre as folhagens, estava tão distraída que nem vi a imensa pedra a minha frente, tropecei e cai no chão. Tento me levantar, mas não consigo, estava com uma dor imensa na região da barriga, estava torcendo para que não tivesse acontecido nada com Dereck.

Petter me pega no colo e continua correndo, havia me machucado bastante, embora não tão grave, só me lembro de ter adormecido.

-x-

Acordei e vi sangue por toda parte, fiquei imaginando o que havia acontecido ali quando percebi que o sangue era meu. Aterrorizada tentei me levantar, mas não conseguia, ainda estava fraca. Senti mãos em meus ombros empurrando para baixo, Petter estava pedindo para eu descansar. Teria o feito se não tivesse reparado que ele também estava todo sujo de sangue.

Com dificuldade consegui me sentar, ainda estava com dor no abdômen, foi ai que percebi o que havia acontecido. Meus olhos se encheram de lágrimas, mas mantive o choro. Me arrastei até ele e olhei em seus olhos.

- O que aconteceu?

Ele hesitou, mas logo em seguida me contou o que havia acontecido. Estávamos correndo dos buscadores quando cai, não estava conseguindo me levantar então ele me pegou no colo. Havia me machucado, ele conseguiu se esconder em uma pequena caverna, eu estava sangrando muito e... Dereck não havia resistido.

Abracei-o e não consegui mais manter as lágrimas, que em seguida roçaram pelo meu rosto, Petter também não se segurou, talvez essa fosse - durante toda a minha vida – a primeira vez que o via chorar. Ficamos assim por um longo tempo, queria que isso durasse para sempre – embora fosse triste – mas infelizmente o tempo não era meu aliado.


Sophie, Erik, Dereck e Petter, definitivamente eu não tinha sorte. Agora eu estava indo para New York em busca dos meus primos, talvez os últimos parentes que me restavam, estava torcendo para que eles não tivessem sidos capturados por aqueles parasitas.

Esperei duas semanas depois que Petter não voltou para “casa”, resolvi sair do esconderijo, temia que Petter revelasse minha localização, embora ser capturada agora não faria diferença alguma, queria ficar perto dele, nem que fosse preciso me entregar.

Tirei esse pensamento da cabeça, não iria me entregar, pelo menos não agora, mas antes de partir para New York queria vê-lo mais uma vez.

Roubei um Eco Sport de uma família que estava acampando do outro lado da floresta, no dia seguinte saberiam que havia um humano por aquelas redondezas, mas isso não importava, quando começassem a procurar já estaria bem longe dali.

Estava de noite, era só mais um carro nas ruas de Seattle, a cidade estava diferente, os parasitas que se denominavam “almas” haviam capturado quase toda a população do mundo, esperava que minha viagem não fosse em vão.

Já estava desistindo de procurá-lo quando o vi, Petter estava saindo de um restaurante e em seguida entrou em um carro e seguiu na direção oposta a minha. Comecei a chorar, ele estava tão próximo e eu não pude fazer nada, queria tocá-lo, queria beijá-lo, mas não podia. Malditas almas!

-x-

Estava no topo de uma montanha no litoral oriental dos Estados Unidos, na verdade, nem sabia mais onde estava. Estava correndo de buscadores, parecia que eu tinha um sensor que indicava a minha localização.

Havia largado meu carro a alguns metros atrás e me enfiado na floresta que havia ali. Eu havia virado literalmente uma mulher do mato, já que havia passado boa parte da minha vida me escondendo nelas. Isso de certa forma era uma vantagem, havia aprendido alguns truques de camuflagem e de como não deixar rastros. Mas infelizmente hoje não era o meu dia.

Não havia prestado atenção o barulho do mar batendo contra as rochas estava cada vez mais alto. Estava me aproximando da beira da montanha, até ela está do meu lado, alguns metros abaixo estava o mar, e quando a onda recuava podia-se ver milhares de rochas, provavelmente quem caísse dali não sobreviveria, dei um sorriso.

Dei uma olhada para trás, eles estavam se aproximando rápido, aumentei a minha velocidade, mas para minha surpresa (ou não) estava me aproximando de um lugar sem saída. Me virei, haviam me alcançado, estavam a minha volta impedindo todos os lugares em que poderia fugir, não havia mais para onde correr.

- Vamos, não complique mais a situação, se entregue – disse um dos buscadores.

- Nunca!

Me joguei da montanha e fechei os olhos, se a única opção fosse a morte, seria ela a minha escolha. Senti a água em volta do meu corpo, tentei nadar para longe das pedras, mas a onda me levou na direção oposta, fazendo bater fortemente minha cabeça contra as rochas, depois disso desmaiei.

Alma:

Nasci em Origem, nunca pensei em sair daquele planeta, mas o fiz quando descobriram o Planeta das Brumas. Fui uma das que ‘colonizaram’ o planeta. Era um planeta bonito, amava o clima frio e as cidades de gelo eram incríveis.

Vivi sete vidas naquele planeta, sem saltar nenhuma, assim que a vida do meu sétimo hospedeiro encerrou fui para o planeta das Águas Visionárias. Depois de duas vidas completas decidi ir para o último planeta descoberto até o momento, a Terra.

Haviam me dito que naquele planeta os sentimentos eram mais intensos, alguns desconhecidos, e na maioria das vezes, difíceis de controlar.

Ao contrario das outras almas não tive nenhuma lembrança de como Alice havia sido capturada, temia que minha hospedeira estivesse danificada. Talvez fosse coisa da minha cabeça, mas eu ouvia sua voz, parecia tão real...

“Saia do meu corpo sua parasita”

Levei um susto, devia ser só a minha imaginação, ela não poderia resistir, poderia? Nunca nenhum hospedeiro havia resistido, não deixaria que ela resistisse. Ouvi a voz novamente em minha mente falando para eu sair do seu corpo.

“Esse corpo agora é meu, ninguém mais o tira de mim”

Com o tempo ela foi parando de falar, até sumir completamente, o que confesso que foi um alivio, nunca frequentei um consultório de um confortador, e essa não seria a primeira vez.

Decidi ir para New York, tinha intuição que minha hospedeira estava indo para lá, talvez houvesse alguém de sua família naquela cidade, não sei, isso se tornara um mistério para mim. A pancada que Alice havia levado na cabeça havia sido forte o suficiente para perder suas memórias. Chamas do Sol - o curandeiro que havia feito a inserção - disse que levaria algum tempo para as memórias voltarem.

E aqui estou eu, em uma cidade que não conheço - aliás, não conheço nenhuma cidade -, conheci a Lulu, uma das minhas vizinhas e acabamos virando melhores amigas.

APROVADA

muito boa Thay, adorei *-*

desculpa a demora q